Não é porventura verdade que nós todos, sacerdotes, somos constituídos mediadores de reconciliação entre Deus e os homens? Mediadores, verdade é, subordinados a Cristo, único mediador entre Deus e os homens, "unus mediator Dei et hominum homo Christus Jesus", que deu a si mesmo em redenção por todos, e pelo qual, Deus nos reconciliou a si e nos deu um ministério de reconciliação "dedit nobis ministerium reconciliationis", e nos encarregou da palavra de reconciliação "posuit in nobis verbum reconciliationis". "Pro Christo ergo legatione fungimur". Somos embaixadores por Cristo em meio ao mundo, como se Deus exortasse os homens por nossa boca. A este alto conceito sacerdotal a nós proposto pelo Doutor das Gentes, elevamos, diletos Filhos, o nosso olhar, as nossas aspirações e os nossos entendimentos; e com o nosso operoso zelo exaltamos e tornamos, em meio ao povo cristão, veneranda a nossa dignidade de mediadores e embaixadores de Cristo. Na sacra hierarquia, porém, quem é tão próximo ao povo, quanto o vigário, o pároco, cuja missão é caracterizada e definida por três palavras: apóstolo, pai, pastor?
1. Em todo pároco há um apóstolo; mas sobretudo aquele que desenvolve a sua obra em uma grande cidade deve sentir em si a flama do espírito apostólico e missionário e do zelo conquistador de um São Paulo. Se considerais os tempos modernos com seus acontecimentos políticos, religiosos e com o multiforme desviar-se das pesquisas filosóficas e científicas e da instrução e educação civil das crenças religiosas, vós não tardareis em ver como de tal modo tenham mudado as antigas condições espirituais da sociedade que nem mesmo nesta nossa Roma se pode jamais falar de um terreno puramente, inteira e pacificamente católico, porque junto daqueles - e são legiões magníficas - que permanecem fiéis na fé não faltam em todas as paróquias círculos de pessoas que, tornando-se indiferentes e estranhas à Igreja, constituem quase um território de missão para ser reconquistado para Cristo.
De tal dúplice aspecto do seu povo é dever do pároco formar, com pronto e ágil intuito, um quadro claro e minuciosamente particularizado, queríamos dizer até topograficamente, estrada por estrada; isto é, de um lado a população fiel, e assinaladamente os seus membros mais escolhidos, dos quais tiraremos os elementos para promover a Ação Católica; e de outro, as facções que se afastaram da prática da vida cristã. Estes também são ovelhas pertencentes à paróquia, ovelhas desgarradas; delas também, antes, especialmente delas sois responsáveis, sois os guardas; e como bons pastores não deveis vos esquivar dos trabalhos e das penas para procurá-las, para ganhá-las novamente, nem vos concedais repouso, até que todas encontrem abrigo, vida e alegria, voltando ao rebanho de Jesus Cristo. Tal é para o pároco o significado óbvio e essencial da parábola do Bom Pastor, daquele Pastor que é ao mesmo tempo Pai e Mestre. Tal é o apóstolo da paróquia, que, semelhante a Paulo, "torna-se débil com os débeis para ganhar os débeis, e torna-se tudo com todos, para todos salvar".
2. O pároco é pastor e pai, pastor de almas e pai espiritual. Devemos ter sempre presente, diletos Filhos, que a ação da Igreja, toda dirigida ao Reino de Deus, que não é deste mundo, se não quer ser estéril, mas dirigir-se vivificante, sábia e eficaz, precisa tender ao escopo: que os homens vivam e morram na graça de Deus. Instruir os fiéis no pensamento cristão renovar o homem na imitação e no seguimento de Cristo, aplainar a via: embora estreita, para o reino do céu e tornar verdadeiramente cristã a cidade, tal é a missão própria do pároco como mestre, pai e pastor de sua paróquia.
No cumprimento destes deveres não vos deixeis afastar e obstacular o vosso zelo pelos trabalhos de administração. Talvez não poucos de vós tendes diariamente que conduzir áspera luta para não permanecerdes oprimidos pelas ocupações administrativas e encontrar o modo e o tempo indispensável para a verdadeira cura de almas. Ora, se a organização e administração são sem dúvida meios preciosos de apostolado, devem porém ser adaptadas e subordinadas ao ministério espiritual e ao verdadeiro e próprio ofício pastoral.
3. Pelo divino desígnio, também o sacerdote, como todo Bispo "ex hominibus assumptus, pro hominibus constituitur in iis quae sunt ad Deum, ut offerat dona et sacrificia pro peccatis"; e por isto o sacro caráter dele, intermediário entre Deus e os homens, se manifesta, se desenvolve, se expande, se levanta e plenamente se sublima circundado e envolvido pela suprema e suma luz do seu ministério, no sacrifício da santa missa e na administração dos sacramentos. Ao altar, à fonte batismal, ao tribunal da penitência, à mesa eucarística, à bênção dos esposos, ao leito dos enfermos, à agonia dos moribundos, entre as crianças ávidas do futuro e do caminho da vida, nas famílias e nas escolas, nos asilos da dor e nas casas abastadas, sobre o púlpito e nas piedosas reuniões, dos sorrisos e dos vagidos dos cândidos berços aos silenciosos cemitérios dos que repousam na expectativa de um renascimento imortal, o sacerdote é, nas mãos de Deus, o ministro, o instrumento mais operante da potência, do amor, do perdão, da redenção dada ao homem decaído para subtrair-se à escravidão e às insídias de satanás, e retornar ao Pai Celeste, como peregrino regenerado, revestido de graça, herdeiro do céu, restaurado pelo viático de um pão mais vivo e salutar que o fruto da árvore da vida plantado no meio do Éden, tanto agradou ao Filho de Deus, Redentor do Mundo, exaltar para salvação dos homens o seu sacerdote!
Colocai portanto máximo cuidado em que a vossa dignidade resplandeça sempre diante do vosso povo, e que este, do santo sacrifício e dos sacramentos que administrais conheça e compreenda com viva fé o significado e o valor, de modo que uma inteligente e pessoal participação os anime a viver as admiráveis cerimônias, como também todas as inefáveis belezas da sagrada liturgia.
Vós todos, portanto, celebrai com digna e íntima devoção os santos mistérios evitando com toda solicitude que os ritos sagrados, por assim dizer, se tornem áridos nas mãos do sacerdote. Sem dúvida não depende do mérito pessoal do ministro o efeito essencial dos sacramentos, e correr-se-ia o perigo de reduzi-los a um mero ato externo se se atribuísse importância principalmente à sua eficácia psicológica. Mas mesmo para estimular os fiéis a aproximarem-se destas fontes sobrenaturais e dispô-los a receber a graça, deveis ter como vosso sagrado dever o celebrar o santo sacrifício e administrar os sacramentos com aquele profundo respeito, com aquela consciente reverência, com aquela piedade interior que tornam as sagradas funções exemplos de edificação e incitamentos de devoções. Premido pelas duras contingências da vida diária, quando o relógio, ou os sinos da paróquia o convidam e lhe trazem no meio do tumulto de seus afetos, o pensamento de Deus e a palpitação do espírito, então coloca os pés sobre o limiar do templo e entra para reunir-se aos fiéis a fim de assistir aos sagrados mistérios e escutar a palavra de Deus, que procura, que deseja o cristão? Que quer o povo? Ele quer encontrar alimento e restauração antes de tudo e sobretudo na graça que conforta, mas também - e isto também é vontade de Cristo - no efeito elevante que a magnificência da casa de Deus e o decoro dos ofícios divinos oferecem ao ouvido e aos olhos, ao intelecto e ao coração, à fé e ao sentimento.
Depois do santo sacrifício, o vosso ato mais grave e relevante é a administração do sacramento da penitência, que foi chamado a tábua de salvação depois do naufrágio. Sede prontos e generosos em oferecer esta tábua aos navegantes no proceloso mar da vida. Insisti com especial zelo e plena dedicação; sentai-vos naquele divino tribunal de acusação, de arrependimentos e de perdão, como juízes que nutrem no peito um coração de pai e de amigo, de médico e de mestre. E se o escopo essencial deste sacramento é de reconciliar o homem com Deus, não percais de vista que para atingir tão alto fim ajuda potentemente aquela direção espiritual, para a qual a alma, mais vizinha que nunca da paterna voz do sacerdote, expandem nele as suas penas, as suas perturbações e as suas dúvidas e escutam confiantemente os conselhos e as admoestações, porque o povo sente aguda necessidade de confessores, que por virtude e por ciência teológica e ascética, por
maturidade e ponderação, valham para fornecer iluminadas e seguras normas de vida, em maneira simples e clara, com tato e com benevolência.
4. Quanto dissemos até aqui diz respeito especialmente ao devoto e vigilante ministério do pároco; mas, além disto, é seu estrito dever anunciar a palavra de Deus, dever essencial ao apóstolo, ao qual vem confiado o "verbum reconciliationis", não menos que o "ministerium reconciliationis". "Vae enim mihi, est, se non evangelizavero". Porque "fides ex auditu, auditus autem per verbum Christi...", "Quomodo credent ei, quem non audierunt? Quomodo autem audient sine praedicante?" Como o intelecto preluz a vontade, assim a verdade é a lâmpada da boa ação. A palavra é o veículo da verdade, e infelizmente também do erro, que batem à porta do intelecto e da vontade. Vós bem compreendeis porque as admoestações do Apóstolo unem fé e ouvido, ouvido e pregador, e porque, para sanar a cegueira do mundo em conhecer Deus, falando da sabedoria que do universo criado se deduz "placuit Deo per stultitiam praedicationis salvos facere credentes".
Sublime estultice esta: já que a estultice de Deus é mais sábia do que os homens e a "desonra do Gólgota" é a glória de Cristo. Estas verdades são oportunas (juntamente com as admoestações do Apóstolo) ao nosso tempo, quando profunda e perigosa é a ignorância da religião. Pregai a doutrina, as humilhações e as glórias do Divino Salvador, e pois que, especialmente todo domingo e no tempo da quaresma numerosos cristãos se reúnem em torno dos púlpitos, oferece-se a vós uma ocasião única - que é observada com inveja, pelos arautos de outras ideologias - para tornar mais potente, sólida e profunda a fé do povo; e quem não se aproveitasse com zelo ardente de uma hora tão oportuna faltaria à compreensão de sua responsabilidade em promover o bem, tão necessário para a vida cristã, o bem da instrução sagrada.
Com a pregação, tornai familiares a pessoa e os exemplos do Homem-Deus, pois que a vida religiosa dos indivíduos em particular, brota e desenvolve-se com divina pujança na relação pessoal e união com Jesus Cristo. Pregai os mistérios da fé; pregai a verdade em sua pureza e integridade até nas últimas conseqüências morais e sociais; disto tem fome o povo. Pregai com simplicidade, mirando aquele sentido prático que chega à mente e se faz guia do espírito. Não a cintilante e procurada facúndia irá conquistar hoje as almas, mas sim a palavra convicta que parte do coração e vai ao coração.
Com grandes e com maduros, deveis ser, como o Apóstolo Paulo, Pai e doutores de perfeição; com os pequenos e com os jovens tornai-vos pequenos tal qual uma mãe: "tamquam si nutrix foveat filios suos". Não penseis que vos humilhais com os pequenos e com os ignorantes: igual em valor à pregação, é a catequese, a instrução das crianças como a instrução dos adultos. Em tal ofício o clero da paróquia pode certamente contar com o apoio e o concurso da Ação Católica; e a todos aqueles que em tão santa obra colaboram Nós, com sentimento paterno e feliz, mandamos o Nosso profundo agradecimento e a Bênção Apostólica. Esta importante missão, não vos esqueçais, os sagrados cânones supõem como natural e primário cuidado, a que deve entregar-se aquele que foi colocado como cura das almas.
O zelo do sacerdote, a sua habilidade serão estímulo e modelo aos colaboradores leigos; e a hora do catecismo oferecerá ao pároco propícia ocasião de encontrar-se com a jovem geração da paróquia. Não vos deixeis fugir a ocasião de preparar pessoalmente, quanto vos for possível, as crianças para a primeira comunhão e confissão; é o primeiro secreto encontro vosso e de Cristo, o divino amante dos pequeninos, com almas ingênuas que se aproximam de vós e abrem-se ao altar, como flores de primavera aos primeiros raios de sol, e conservam inesquecível a recordação disto, através do curso flutuante da vida.
5. Queremos finalmente deixar uma linha característica da figura do Bom Pastor, que, além de ser a Luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo, na verdade, no caminho e na vida prodigalizava fora de si a virtude, que sana também os corpos de todas as misérias humanas, "bene faciendo et sanando omnes", e deixando aos seus apóstolos e à sua Igreja o mandamento do amor misericordioso aos pobres, aos que sofrem, aos esquecidos, porque a vida daqui debaixo é um fluxo e refluxo de bens e de males, de choro e de alegria, de necessidades e de socorros, de caídas e de ressurreições, de lutas e de vitórias. Mas o amor para com os irmãos, todos redimidos por Cristo, é o misterioso bálsamo de toda dor e miséria.
Discurso aos párocos e quaresmalistas, 6 de setembro, 1940.
Fonte: Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.
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