terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Vozes do inferno: cientistas chegam às portas do inferno!

Primeira parte. Segunda parte >

Tudo teria acontecido na Sibéria, em 1989, num lugar indeterminado e sem nome: perfuratriz encontra o inferno! Desculpem, mas não foi a perfuratriz, foi a equipe de amedrontados geólogos.

Como sempre ocorre nessas histórias estapafúrdias, o local da ocorrência fica muito longe o que impede as pessoas de irem até lá confirmar o fato.

O lugar chamado Sibéria fica na Rússia, é muito frio e corresponde a cerca de 77% do seu território. (É lá que fica a cidade de Irkutsk, a cidade mais fria do mundo.)

Por motivos não esclarecidos na mensagem – se buscavam petróleo ou outra coisa –, eles usavam uma poderosa perfuratriz e já estavam com a broca a 14.000 metros de profundidade. De repente, a broca deixou de encontrar resistência e começou a girar livremente. Os geólogos da expedição imaginaram haver encontrado um bolsão oco: o centro da Terra.

O Dr. Azzacove ou Azzacov, conforme a versão, cientista conhecido apenas pelo enorme buraco que teria cavado no chão da Sibéria, ficou surpreso com a descoberta.

Segundo o relato, aos 14.000 metros de profundidade a temperatura encontrada foi de 2.000 graus Fahrenheit (1.093 graus Celsius). Apesar de tanto calor, os cientistas conseguiram introduzir, através da sonda, um microfone e ficaram pasmos com o que escutaram.
Dr. Dmitri Azzacov

Só pra início de conversa: se houvesse geólogos nessa história, eles saberiam que o diâmetro do nosso planeta é de bem mais de 28 km. Os 14 km supostamente atingidos, portanto, nada significariam diante do diâmetro da Terra que é de 12.756 km.

Ao analisar as fitas gravadas com os estranhos sons os cientistas ouviram gritos horríveis. Eram vozes pedindo água e misericórdia. (Acrescento por minha conta: aparelhos de ar condicionado também seriam uma boa pedida ;-))

Mais "estudos" e logo eles interpretaram os sons como sendo gemidos e lamentos das almas dos ímpios, almas penadas, almas condenadas ao fogo eterno. E onde estariam essas almas penadas, condenadas, perdidas e recém-achadas?

Elementar, meu caro Watson: no inferno, é claro!

Que pedissem por misericórdia, até que seria coerente, pois misericórdia é um "sentimento doloroso causado pela miséria de outrem" (Caldas Aulete) e bem adequado ao estado em que as almas condenadas encontravam-se, mas pedir água?!

É estranho.

Água é coisa material e almas são, por definição, coisas incorpóreas e imateriais. Como poderiam elas sentir falta de coisa material, pedir água, sentir sede?

Tudo foi publicado por um conceituado (!) jornal finlandês de nome Ammennusatia, Ammennusastia ou Ammenusastia. Ao procurar no Google por esse famoso jornal, ele aparece apenas nas referências ao enorme buraco que teria chegado ao inferno.

Conclusões provisórias:
* não havia geólogos em tal suposta prospecção. Se houvesse, eles teriam informações sobre a composição e espessura da crosta terrestre;

* tanto o nome do geólogo responsável pelo buraco, o Dr. Dmitri Azzacove ou Dmitri Azzacov como o nome do jornal finlandês eles apenas são conhecidos por conta da suposta descoberta;

* não dá para imaginar que a temperatura tenha chegado, de repente, aos quase 1.100 graus Celsius. Alguns metros acima do inferno (?), a temperatura já teria chegado aos 1.000 graus. Mesmo assim, a broca e a sua haste de sustentação não fundiram nem se tornaram maleáveis e continuaram o serviço;

* o microfone não fundiu certamente porque fora especialmente preparado para a missão, não a de descobrir o inferno, mas a de ouvir os sons dos movimentos das placas tectônicas. De qualquer forma, fica a pergunta: a que distância da "porta do inferno" o microfone teria chegado?

Numerosos saites reproduzem o texto e as afirmações parecem transformar-se em verdades não porque elas mereçam crédito, mas pelo número de repetições delas. É algo semelhante ao mote "uma mentira apresentada muitas vezes transforma-se em verdade".

Muitos dos sites que reproduzem a história são sites religiosos fundamentalistas que tomam ao pé da letra o texto da Bíblia. Alguns deles falam de demônios, do satanismo, do dia do arrebatamento (!?), da besta do Apocalipse e de coisas semelhantes.

Um dos saites mostra foto borrada onde se "vêem" o rosto de Jesus, o rosto do diabo, anjos, gente sendo "arrebatada", animais, carros e quem quiser ver verá muitas outras coisas como uma bola de futebol e um radinho de pilha. Mesmo não apresentando simetria, a foto, ou melhor, os borrões lembram as cartelas dos famosos testes de Rorschach: pessoas diferentes vêem coisas diferentes nas manchas apresentadas.

Mas será que encontraram mesmo o inferno?

É mais embaixo, diz o site Tabernáculo.Net:

O assunto precisa ser analisado com cautela, antes de darmos ampla divulgação nas igrejas. Não me parece fácil aceitarmos a idéia de que o inferno, possa, doravante, ser acessado por qualquer pessoa, bastando que possua o equipamento necessário.

Se admitirmos a literalidade na interpretação de alguns textos bíblicos (Efésios 4.9: regiões mais baixas da terra ; Jó 38.16: Profundo abismo ; Apocalipse 19.20; 20.15; 21.8: Lago de fogo e enxofre ; Marcos 9.43; Isaías 66.24: Fogo que não se apaga ) e formos levados ao entendimento de que o inferno é um lugar físico, devemos entender que esse lugar é no profundo abismo, onde o fogo nunca se apaga.

Ainda que válida a interpretação literal, esse lugar de suplício eterno não se encontraria tão próximo da superfície terrestre, e vulnerável, que uma sonda de um cientista ateu pudesse descobri-lo.

Uma voz ponderada, sem dúvida: antes de divulgar, convém analisar com cautela. O autor desse texto nos esclarece o seu ponto de vista e diz da sua incredulidade sobre o fato noticiado. (Veja a mensagem.)

E mais: uma sonda comandada por cientista ateu não poderia jamais encontrar o inferno. Quem sabe, talvez um cristão bem comportado tivesse melhores chances...

Em Vozes do Inferno o autor apresenta algumas preocupações:

6 Excluída a hipótese de a sonda do cientista haver perfurado a litosfera até chegar a um bolsão [...] nossa atenção estaria voltada, então, para a tese da região vulcânica. Ora, existem uns 600 vulcões ativos [...]. Perguntamos: em qual deles estaria o inferno? O inferno estaria estratificado, dividido por seções, e assim espalhado por muitas regiões? Cada país teria seu inferno particular? Onde estaria o inferno do Brasil?

7 Por outro lado, só com muito esforço poderíamos admitir a hipótese vulcânica, pelo simples fato de que o inferno seria uma prisão vulnerável. A não ser que circundado com portas invisíveis pelo Deus do impossível, o inferno nessas condições teria uma porta de escape, a cratera por onde os mais rebeldes escapariam.

Não há dúvida nenhuma: um inferno vulnerável, sem controle de saída dos seus hóspedes iria transformar a nossa vida aqui Terra em um verdadeiro inferno. (Perdão, eu sei que foi péssima ;}

Já pensou uma coorte, ou muito pior, uma legião de almas danadas, danadinhas e rebeldes a atanazar a nossa vida? (Dá até pra imaginar a cena: "Sai pra lá, sua alma danada! Desafasta!" ;-]

Mais alguns pontos chamam a atenção:

* O recorte do jornal tem a manchete Researchers record the screams of the damned. Por que um jornal da Finlândia publicaria matéria em inglês e não no idioma da terra, o finlandês?

* Ouviam-se vozes de milhões de humanos: como distinguir entre elas as vozes que faziam os pedidos de água e os de misericórdia? (Considerando que, certamente, as almas estavam bastante irritadas, elas não falavam palavrões? Nenhum f*d*p* ou s*o*b* foi registrado?)

* Por que motivo os cientistas não tomaram nenhuma providência para atender os pedidos das almas pecadoras? Misericórdia, certamente, não seria um sentimento presente nos corações dos pesquisadores comunistas, ateus e comedores de criancinhas, mas por que não forneceram água? Vejam que o Dr. Azzacove, um empedernido comunista, talvez até tivesse coração, pois ele declarou, certamente num momento de fraqueza, que passara a acreditar no inferno. A pergunta continua sem resposta: por que não puseram água através da sonda? (De qualquer forma, usar água para esfriamento da broca e de equipamentos de perfuração de poços e de sondagens profundas é prodedimento recomendável.) Se usassem água potável, melhor ainda.

* Qual o idioma usado pelas almas penadas ao fazerem os pedidos? Russo? Finlandês? Inglês? Latim? Árabe? Quais os idiomas, além do russo, que o Dr. Azzacove e a sua equipe de cientistas dominavam?


E como essa história começou?

Em 1984, foi publicado na revista Scientific American artigo falando de um poço com 12 km de profundidade cavado pelos russos na Península de Kola. (Ye. A. Kozlovsky, 'The world's deepest well', Scientific American, vol. 251(6), December 1984, pp. 106-112.)

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